sexta-feira, 13 de abril de 2012

A Bruxaria Tradicional e o trabalho com demônios


A Bruxaria Tradicional e o trabalho com demônios


A verdade é multidimensional e multifacetada, desde que ela se sustenta sobre realidades diferentes e não raro transcendentes à matéria. A realidade muda de acordo com o que se experimenta e só através da disposição de uma experimentação mais ampla se é capaz de alcançar uma fração maior da sabedoria.
Cada ser é uma manifestação, uma probabilidade divina encarnada para interagir e experimentar o mundo de formas diferentes. Somos únicos e ao mesmo tempo somos UM. Frutos da mesma matéria que criou galáxias e insetos, interligados por teias misteriosas e invisíveis.
A cada momento percebemos o mundo à nossa volta através de seus múltiplos estímulos: sons, cheiros, cores, sabores, energias. Reagimos a estes estímulos com nossas mentes, sentimentos e ações. Podemos dizer então que o mundo está em constante interação conosco, ao passo que despendemos a maior parte do tempo ignorando esta interação mais densa, e junto a esta, a mais sutil.
Quando nos decidimos a trilhar um caminho espiritual, seja por um chamado específico ou por escolha, estamos nos colocando no Ponto da Encruzilhada, em uma declaração consciente de que estamos dispostos a experimentar o vinagre e o vinho a fim de alcançarmos à sabedoria. Todos os obstáculos são então vislumbrados como meios necessários portadores de lições que podem se repetir ou persistir até que tenhamos absorvido seu total significado.
Por esta razão específica, a Grande Arte dos Sábios reconhece a Encruzilhada metafísica dos poderes como o ponto-chave onde Destino rege. Tal escolha exigirá bravura em um nível raramente experimentado anteriormente: a saída da zona de conforto para um turbilhão de experiências que irão muitas vezes nos tirar todo o chão. Como o Louco do Tarot nos colocamos à beira do penhasco enquanto recitamos nossas preces aos ventos, para que estes nos carreguem de modo mais gentil possível, ou para que nossa carne suporte todo o trajeto do tombo até o final.
O primeiro ciclo do peregrino, marcado através de uma iniciação em moldes tradicionais, é sempre o maldito, e sempre o mais desafiador. Podemos citar como paralelo da Bruxaria Tradicional a saída de Caim ao exílio, que abençoado e amaldiçoado ao mesmo tempo se vê às voltas das experiências de um mundo fora do mundo criado para seus pais. Perda e solidão são seus companheiros na jornada.
Uma vez que abrimos os olhos a esta outra dimensão, quando de fato enfrentamos o desafio e podemos compreender o quão real ela é, podemos nos valer do livre-arbítrio e fecharmos os olhos novamente, ou nos preenchermos do velado poder do ‘Espírito Santo’ para nos preparar para o próximo ciclo. O ‘Espírito Santo’ é o poder que escapa nas rachaduras da abóbada celeste, que dá sua atenção somente àqueles de verdadeiro potencial espiritual, dentro do que os peregrinos chamam de Basílica da Santidade Negra. Aqui está o ponto onde se separa o Santo do Mundano, pois este processo é o do despojamento último, da nudez total de todos os valores morais agregados ao ser. Só assim somos capazes de descobrirmos a biografia dos demônios e consequentemente, os nossos.
Aqui cabe adicionar que o trabalho deste nível é destinado aos fortes de espírito, àqueles que não se deixam abater por seus demônios traduzidos em neuroses e paranóias. A meta é encontrar o ponto onde negação e afirmação se alinha no fortalecimento do ser. Não é um caminho para muitos, mas um dos caminhos. Com a onda crescente dos ‘wanna-be super priests’, onde o céu é o limite para a exposição de reações causadas pela baixa auto-estima combinada à ganância e gula espiritual, podemos nos questionar as razões pelas quais estes peregrinos decidiram pelo caminho mais difícil. E a resposta reside no chamado e no sangue de cada um deles.
Podemos então afirmar que o Caminho de um peregrino que trilha na Bruxaria Tradicional é único e totalmente solitário. Entretanto, dada a tradicionalidade deste tipo de conhecimento oculto sob máscaras apropriadas ao tempo em que se situa, encontramos estes peregrinos dentro de um contexto de família ou de família expandida. O trabalho ritualístico se desenvolve solitariamente, embora em certas ocasiões tradicionais especiais estes peregrinos se encontrem para a realização de ritos coletivos. O calendário destas ocasiões é confinado em segredo, bem como as práticas desenvolvidas nestes dias, isto tudo, longe de se enquadrar em qualquer tipo de segregação, tem a função de preservar questões de foro íntimo dos iniciados.
Em uma estrutura familiar – ou de extensão familiar – agrupar estas jornadas únicas é tarefa no mínimo espinhosa, e requer muito mais do que um simples desejo de reconhecimento sacerdotal. Isto exige uma grande dedicação e fé em cada um dos membros. Exige também a aceitação de cada um dos membros ao código de honra entre seus pares, e a real vontade de amadurecer em contraposição ao simples pertencer.