segunda-feira, 20 de junho de 2011

MOVIDO PELA PAIXÃO


 MOVIDO PELA PAIXÃO


Este cordel, de autoria do poeta popular Antonio Héliton de Santana tem como inspiração o seminário realizado no Centro Cultural de S. Francisco, nos dias 21-22-23 de Novembro (J. Pessoa) e que teve como tema: os valores da religião dos Orixás. A celebração do dia do Zumbi e da consciência negra nos motivou para descobrirmos juntos a religião trazida pelos escravos nos porões dos navios negreiros e que ajudou o povo negro a resistir e a sobreviver. Graças a sua fé no Deus da vida que se manifesta pelos Orixás, o povo escravizado lutou e se libertou: sinal da força libertadora desta religião que tanto foi combatida e desprezada. Mas ela está ai nas suas múltiplas manifestações e nos desafia a descobri-la como experiência de vida.


Olorum, Deus criador
Dê-me a sua proteção
Pra eu escrever em versos
Sobre a religião
Que os escravos trouxeram
Escondida no porão

Olorum, veja o leitor
Que tem os olhos fechados
Que tem o coração duro
Que vive acorrentado
Por racismo, preconceito
Porém quer ser libertado (Ez. 36,24-28)

Faça o milagre de ver
Amoleça o coração
Torne-o humano, divino
Transforme-o em cidadão
Acorde-o para a vida
Movido pela paixão

Mulheres e homens livres
Da África arrancados
Pelo povo português
E em porões empilhados
Pra trabalhar no Brasil
Sem direitos, como escravos (Ex. 1,8-14)

A perda da liberdade
Destruição da família
Imposição de costumes
Não apagaram a trilha
A fé foi mais forte que a dor
Ainda hoje ela brilha (Ex. 2, 23-25)

A fé em Deus, Olorum
Fez o negro resistir
Dor de um, a dor de todos
Fez o negro se unir
No tempo da escravidão
Bom futuro ha de vir (Ex. 4, 27-31)

Xangô, Batuque, Macumba
Umbanda e Candomblé
E até Tambor de Minas
Dê o nome que quiser
São negras religiões
Poços profundos de fé

A natureza pro negro
É revelação de Deus
Ele está em toda parte
Cuidando dos filhos seus
Mas precisa ser cuidada
Isto você entendeu (Gn. 1,1-31)

Olorum, o criador
Oxalá, procriação
Exu é o mensageiro
Faz a comunicação
Entre o Orixá e o homem
É traço de união

Orixá é parente
Antigo que já morreu
Foi alguém que nesta vida
Por ação se enalteceu
Dominando a natureza
Muito mais lhe digo eu

Em outras atividades
Parente se destacou
Na caça ou no trabalho
Ou plantas utilizou
Conhecia as virtudes
E agia com amor

Água profunda é Nanâ
O mar é Iemanjá
O rio, a bela Oxum
E o vento é Oyá
Ossaim as folhas são
Que servem para curar

Arco-Íris, Oxumaré
Ao trovão chamam Xangô
Há outros vou lhe dizer
Oxossi é o caçador
E Ogum é o guerreiro
Omulu, doença e dor

Cada Orixá tem seus cantos
Tem seu modo de dançar
Tem seu jeito de vestir
Cor pra identificar
E tem a sua comida
Pra tradição preservar

Tem um dia da semana
Para a sua devoção
Quer oferenda dos filhos
Pipoca, bolo ou pão
Quer oferta com amor
E muita dedicação

No Candomblé não se crê
Em Satanás, no Papão
Reconhece o mal no homem
Dentro do seu coração
Com força de desviá-lo
Do caminho da comunhão (Mt. 16,21-23)

Terreiro, casa aberta
Para quem quiser entrar
Pobre, rico, velho, jovem
Homem, mulher, quem chegar
Solteiro, casado, livre
Preto, branco. Olalá

Analfabeto, doutor,
De qualquer religião
Todos eles são bem-vindos
Porta aberta e coração
Pra quem quer viver igual
Quer viver como irmão (Lc. 5,27-32)

Cada pessoa é livre
Se o chama o Orixá
Porem tem obrigação
De servir sem reclamar
Ao irmão que necessita
Seja em qualquer lugar (Tg. 2,14-17)

Também fazer oferenda
Que não faz mal a ninguém
É apenas ofertório
Para o Orixá que ele tem
Oferta que é amor
E dedicação também (Lc. 3,1-24)

Oferenda ou despacho
No Xangô se chama ebó
Como as velas e fitas
Lá do tempo da vovó
Um agrado para o santo
Gesto de amor, e só

Se quiser se dedicar
De alma, de coração
Vai levar um tempo bom
Sacrifício, oração
A comunidade toda
Roga a Deus com devoção (Mt. 4,1-11)

Vai viver humildemente
Em retiro, reclusão
Para assim sentir na pele
O que foi escravidão
Para poder entender
O sentido da missão (Mc. 6,7-8)

A formação acontece
Na vida, no dia a dia
A vivência é a base
Que revela, anuncia
Que abre o horizonte
Que se faz estrela guia

Você passa a ser filho
Da uma nova família
Filho, irmão pela fé
Missão: serviço, partilha
Receberá outro nome
Andará por outra trilha (Mc. 3,31-35)

A responsabilidade
Da tradição conservar
Mantém viva a história
Os costumes, o pensar
No coração e na mente
Para poder caminhar (Mt. 5,17)

O culto é uma beleza
Tambores, cantos e cores
Reza com o corpo inteiro
Danças e muitos louvores
Incenso, comida farta
Festa aplauso e flores (Sl. 150)

Quem coordena o culto
As tarefas divididas
Quem canta prós Orixás
Quem toca, quem faz comida
Quem partilha com os irmãos
Este banquete da vida

Todos os filhos assumem
A vida em comunidade
As despesas, os deveres
Vale a boa vontade
Com respeito a luz se faz
Viva a fraternidade (At. 2,42-47)

Uma mão lava a outra
Há solidariedade
Há partilha com o irmão
Há disponibilidade
Para servir à pessoa
Ou à comunidade

Candomblé foi proibido
E sofreu perseguição
Então para cultuar
Só tinha uma solução
Usar imagens dos santos
E rezar no coração (Mc. 13,9-13)

Rezar para os Orixás
Enganando, sim, pois não
Oxalá virou Jesus
Iemanjá, Conceição
Naná Santa Ana é
E Xangô é São João

Oxum virou a Do Carmo
Santa Bárbara, Oyá
Ossaim agora é São Roque
Ogum, São Jorge a lutar
Oxossi, Sebastião
Jeitinhos de preservar (Ap. 12,1-18)

Hoje não precisa mais
Esconder o Orixá
Por detrás dos nossos santos
Pra poder se cultuar
Produto de muita luta
De combate sem cessar

Agora é refletir
Ver com os olhos de Deus
Olorum, o criador
Que guia os filhos seus
Pelos caminhos da vida
Lembre o sol sempre nasceu

Reflita só, com amigos
Tudo pode ter mudança
Água mole em pedra dura
Tanto bate e não se cansa
Dizem: a última que morre
É sempre a esperança

Abra o seu coração
Para o que há de verdade
Para Deus que se revela
Por sua própria vontade
De tantas formas bonitas
Para toda humanidade (1 Cor. 13,1-13)
João Pessoa, 27 de novembro de 1997
(Fonte-web:http://ospiti.peacelink.it/zumbi/afro/cordel/aheliton/ahs-08.html)

Nenhum comentário: