quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A FEIÚRA E A BONITEZA


A FEIÚRA E A BONITEZA
A coruja, antes de se casar, tinha feito uma consulta. Ela queria saber das intenções do corujão, se ele realmente gostava dela, essas coisas assim... Pois bem: foi dito a ela que tudo estava em ordem, que ela não se preocupasse. Apenas prestasse atenção no fato de que, nem tudo de que ela gostava, os outros gostavam também.

Ela saiu muito satisfeita da consulta. De vez em quando, se lembrava do conselho sobre o gostar, mas isso foi caindo no esquecimento com o passar dos dias. E agora estava ela ali, feliz da vida, já criando sua primeira ninhada. Os meninos já estavam se empenando e logo, logo, estariam voando também.

Ah, mundo velho sem porteira... Pois não é que o urubu chegou esbaforido para dar uma notícia ruim? A mãe da coruja estava passando mal e queria ver sua única filha. A coruja se entristeceu e ficou pensando como haveria de fazer para ir ver a mãe. Os meninos ainda não podiam voar. Deixar aquelas coisinhas tão bonitinhas, assim, sem proteção? Também não podia deixar de atender ao chamado da mãe. Podia ser a última vez. Depois de muito pensar, a coruja se lembrou e conversou consigo mesma:

− Ah, sim! Comadre Raposa... Gente fina está ali. Prestativa, sutil, tem sempre um jeito pra tudo... Mesmo, basta um voozinho de nada e posso passar na toca onde ela mora.

Logo a coruja alcançou a toca da raposa, cuja porta estava sempre disfarçada. Chamou e a raposa atendeu. Contou tudo, debaixo de aflição e agonia. Por fim, o pedido:

− Comadre da minh’alma, me ajude pelo amor de Deus! Vou e volto logo. Apenas queria que a senhora olhasse meus lindo meninos... Tomasse conta deles até eu voltar...

A raposa não se fez de rogada:

− Faço isso, sim, comadre.... Mas como saber quais são seus meninos, com tanto ninho espalhado por aqui? A senhora sabe: eu vivo no chão e a senhora nos galhos...

A coruja deu as instruções necessárias:

− Tá vendo aquela árvore seca lá adiante? Pois é lá, no oco mais baixo que eles estão. E é muito fácil a senhora saber quem são eles. São os meninos mais bonitos de toda essa redondeza. Olhe, eu passo horas a fio só olhando pra eles. Uma lindeza!...

Despediram-se. A coruja foi pelos ares, em busca da casa da mãe. A raposa se dirigiu para a árvore seca, bem perto da sua toca. Foi um alarido, quando a passarada viu a raposa se aproximando. Gritos, bater de asas, vôos espalhafatosos, enfim, um danor. Mas a raposa estava decidida: dessa vez não escaparia nenhum menino feio. E foi passando de ninho em ninho, devorando tudo.

Com poucas horas, a coruja voltou. Logo foi avistando a comadre dormindo ao pé da árvore. Aquilo que era gente boa e prestativa. Mas quando ela pousou no ninho, uma onda de terror invadiu seu coração. Cadê os lindos meninos?! Tudo vazio. Desceu, acordou a raposa e, muito aflita, quis saber dos filhotes. A raposa, então, ainda meio sonolenta e se lambendo, explicou:
− Olhe, comadre, lhe garanto que seus lindos meninos estão em paz. Desde que a senhora saiu, eu vim logo para aqui. Só devorei meninos feios. Naquele ninho ali, então, havia os mais horrorosos deste lugar...

− Comadre, a senhora devorou meus lindos meninos!...

E a raposa, toda espantada, apenas comentou:
− Meu Deus! Comadre, a senhora não tem juízo mesmo... Nunca desconfiou disso?A feiúra e a boniteza estão nos olhos de quem vê.

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