quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A GRANDEZA E A OBRIGAÇÃO


A GRANDEZA E A OBRIGAÇÃO
Na criação do mundo, Olodumare deu a Oxum o privilégio de atender aos mortais e responder às perguntas feitas por eles no jogo de búzios. Ela nem queria isso, mas foi distinguida com tal fidalguia. Com o tempo, sempre fazendo a mesma coisa, Oxum estava ficando enfadada com a atividade de ter de responder às perguntas dos humanos. Era tanta pergunta, uma miudeza que não acabava mais. Gente que de nada entendia e queria saber de tudo, perguntas sem cabimento, encabulações, interesses descabidos, teimosias, mágoas, ódios, sede de poder, inveja, treitas, ciúme... Olhe, senhor, tanta coisa... Enfim, todo esse bolodório que só os humanos sabem viver.

Ela resolveu, então, deitar-se no remanso do rio e cochilar um pouco para ver se encontrava uma solução. Quando estava naquele soninho, vai mas não vai, um estalido chamou sua atenção. Abriu os olhos... Quem estava ali? Ele, Exu, o que gosta de ser grande em tudo. Todo galanteador, ele abriu a boca e disse:

− Olá, Senhora dos Búzios, Dona da Beleza! Que faz assim, toda largada nas águas?

− Eu?! Estou aqui, assim... Pensando em passar os direitos de minha grandeza a quem queira ficar com eles...

Muito interesseiro, Exu logo quis saber:

− Como assim?!

− É que eu tenho a grandeza e por isso sou eu quem responde às perguntas dos mortais, quando eles querem saber das coisas no jogo de búzios. Papel importantíssimo, esse meu.

Exu se fingiu bajulador e disse assim:

− Pois é... Os grandes têm lá suas grandezas... E eu por aqui, nesta pendanga de equilíbrio. É equilíbrio para aqui, equilíbrio para ali... Uma chatice...

Oxum percebeu que Exu estava começando a morder a isca e se empenhou numa negociação. Cautelosamente, pois ela sabia como Exu é malicioso, ardiloso e interesseiro. Enfim, ele não bate prego sem estopa. E foi fundo numa proposta:

− Que tal a gente fazer assim? Eu te passo essa grandeza que é só minha, toda minha, a de responder a tudo que os mortais querem saber e, ainda de quebra, você fica com o privilégio de ser servido em primeiro lugar. Então eu vou ter tempo para lustrar minhas pulseiras e meus anéis, me mirar nos meus espelhos, me enfeitar na hora em que eu bem quiser e entender...

Claro que Exu aceitou. E aí os dois fizeram o pacto e um ebó sacramentou a mudança de papéis entre eles dois. E mal Exu deu as costas, feliz e sirigaiteiro, pela estrada a fora, Oxum sumiu nas águas encantadas do rio.
Dias depois, Exu voltou, arrependido, à procura de Oxum para desfazer o pacto. Mas ela tinha se sumido nas águas. E tanto procurou até que foi encontrar a Senhora das Águas, toda sorridente, enfeitando-se numa cachoeira. Queixou-se muito, mostrou as desvantagens da troca e o enorme prejuízo que estava tendo, mas Oxum nem quis saber de conversa: mergulhou nas águas e sumiu.

Daí, Exu se apresentou a Olodumare e pediu para ele obrigar Oxum a desfazer o trato. O Controlador do Destino ouviu tudo e, depois, se pronunciou:

− O que está feito, está feito. Palavra dada, destino empenhado. Agora é tarde... Afinal, você sempre quis ser considerado O Maior em tudo. Pois fique sabendo: Os grandes são escravos de sua grandeza.

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